As tarifas do “Dia da Libertação” de Trump derrubam os mercados
07/04/2025O “Dia da Libertação” desencadeou uma das piores quedas de ativos de risco em todo o mundo na memória recente.
Não apenas as tarifas de Trump foram muito mais severas do que o esperado, mas a maneira arbitrária e caótica com que os números reais foram produzidos assustou ainda mais os investidores. Os mercados de ações sofreram suas maiores liquidações desde os primeiros dias da pandemia da COVID, os spreads de crédito explodiram e apenas os portos seguros se beneficiaram. A reação inicial nos mercados de câmbio foi contraintuitiva, pois o dólar foi liquidado. No final de semana, o dólar conseguiu se recuperar contra todos, exceto as moedas mais seguras, o franco suíço e o iene japonês, embora ainda tenha terminado em baixa em relação ao euro. Os mais atingidos foram as moedas dos países exportadores de commodities, pois os preços das commodities despencaram e os economistas aumentaram suas expectativas de uma recessão mundial.
Uma tarifa básica de 10% entrou em vigor no fim de semana, e os níveis tarifários muito mais punitivos e variáveis em países individuais devem fazer o mesmo nesta quarta-feira. No fim de semana, autoridades do governo Trump pareceram rejeitar a ideia de que as negociações poderiam atrasar ou evitar essas tarifas, algo que dificilmente tranquilizará os investidores. Esperamos que os mercados, e o câmbio em particular, sejam movidos por manchetes sobre tarifas, movimentos retaliatórios de parceiros comerciais dos EUA e negociações potenciais, em detrimento do calendário macroeconômico e político normal. O único relatório econômico que pode chamar a atenção dos investidores é a inflação do consumidor de março dos EUA, que pode começar a mostrar o impacto inicial da primeira rodada de tarifas sobre a China anunciada no início do ano. As expectativas de inflação ao consumidor dos EUA (sexta-feira) também merecem atenção pelo mesmo motivo.
Brasil
O real celebrou inicialmente as tarifas de Trump ao Brasil, fixadas em apenas 10%, embora o otimismo tenha durado pouco. Dias depois, a retaliação chinesa aos EUA desencadeou um movimento generalizado de aversão ao risco, levando à liquidação das commodities sob a perspectiva de uma recessão global. Embora o Brasil tenha potencial para estreitar laços com o gigante asiático em meio às restrições americanas, esse pode ser um esforço gradual e de longo prazo. Enquanto isso, o câmbio reagirá principalmente às manchetes sobre as negociações tarifárias.
Por aqui, a agenda é leve e traz poucas novidades. A resposta do governo a Trump tem sido tímida, sem promessas de retaliação, embora isso possa abrir espaço para Lula buscar popularidade ao antagonizar Trump como um inimigo comum. De qualquer forma, estamos no início de uma nova novela, e uma coisa é certa: sendo uma moeda emergente, altamente exposta às commodities e aos principais atores desse confronto (EUA e China), o real enfrentará dias, talvez meses, de grandes oscilações. Atenção ao IPCA de março (sexta-feira), embora o foco principal do câmbio esteja em outros lugares.
Estados Unidos
Parece quase trivial discutir o relatório emprego de março dos EUA divulgado na última semana após o caos dos últimos dias, mas vale a pena observar que a última pesquisa do mercado de trabalho realizada antes do choque de 2 de abril foi mais forte do que o esperado, sem indícios de danos ao mercado de trabalho, com criação estável de empregos e ganhos salariais moderados. O relatório contribuiu para a recuperação do dólar após sua surpreendente liquidação na esteira dos anúncios de tarifas – normalmente, o aumento dos temores em relação ao crescimento global seria um fator de alta para o dólar porto-seguro.
A comunicação do presidente do banco central americano (Fed), Powell, de que o impacto inflacionário das tarifas será maior do que ele esperava e tornará mais difícil para o Fed reduzir as taxas, também impulsionou o dólar na sexta-feira. Os mercados futuros agora acreditam que os temores de recessão nos EUA forçarão Powell a cortar as taxas em cinco ocasiões até o final do ano, mas estamos muito céticos, dados os riscos de alta dos preços. O relatório de inflação desta quarta-feira pode mostrar os primeiros indícios de impacto dos anúncios de tarifas no início do ano.
Europa
O euro emergiu como um vencedor na semana passada, apesar dos EUA terem imposto uma tarifa de 20% sobre a União Europeia. Dado o estado instável da economia do bloco, isso pode ser suficiente para levá-lo a uma recessão. Por outro lado, o impacto do estímulo fiscal maciço da Alemanha, e outros que provavelmente virão depois, pode ser suficiente para neutralizar pelo menos parte do impacto contracionista do comércio. A principal questão aqui, obviamente, é que o impacto das tarifas sobre o crescimento será quase imediato, ao passo que as medidas de estímulo fiscal levarão algum tempo para serem filtradas pela economia e talvez não sejam sentidas de fato até 2026.
O que está claro é que enfrentamos uma enorme incerteza, tanto com relação à evolução da economia da União Europeia quanto à sua moeda. A resposta inicial dos mercados foi tratar o euro quase como um porto seguro, que atingiu sua posição mais forte desde outubro – as saídas de dólares têm de ir para algum lugar, e o euro é a alternativa mais líquida ao dólar. O bloco comum realizou novas ameaças de retaliação, mas ainda sem apresentar um plano detalhado, o que pode demorar um pouco.
Reino Unido
Inicialmente, a libra esterlina teve um desempenho muito bom logo após o anúncio das tarifas de Trump, já que o Reino Unido escapou relativamente ileso e enfrenta apenas 10% de tarifas básicas. No entanto, a libra caiu drasticamente durante a segunda metade da semana, principalmente em relação a outras moedas europeias, o que é uma grande surpresa, já que a Grã-Bretanha foi poupada do pior das restrições comerciais. Acreditamos que isso tenha a ver, em grande parte, com o status de alto risco da moeda e com as expectativas do mercado de que as tarifas poderiam levar a já frágil economia do Reino Unido a uma forte desaceleração, forçando o Banco da Inglaterra a cortar as taxas de juros em um ritmo mais agressivo em 2025.
Dito isso, acreditamos que a exposição relativamente baixa da economia do Reino Unido às exportações de mercadorias para os EUA, a resiliência evidente nos últimos indicadores de demanda e no mercado de trabalho e as taxas de juros ainda altas do Banco da Inglaterra são fatores de apoio para a libra. Achamos que a libra está bem posicionada para enfrentar a tempestade relativamente bem, principalmente se o governo conseguir negociar um acordo comercial com os EUA.
China
A Ásia foi o alvo número um das tarifas recíprocas de Trump, com a China sofrendo uma imposição punitiva de 34% além dos 20% adicionados desde as primeiras semanas de Trump no cargo. Em vez de adotar uma reação não escalonada, a China decidiu revidar com uma tarifa de 34%, além de outras medidas. A resposta agressiva já havia sido criticada por Trump, com as preocupações do mercado sobre a escalada da disputa comercial acelerando a venda de ativos de risco no final da semana passada.
O yuan está entre os piores desempenhos desde o “Dia da Liberação” de Trump, embora a extensão da liquidação ainda não tenha sido maciça, com as autoridades tentando acalmar o mercado. As fixações do PBOC têm sido mais altas nos últimos dias, sendo a de segunda-feira a mais alta desde o início de dezembro. Ainda assim, os ajustes não são particularmente grandes. Ainda há poucos indícios de que o banco central esteja se afastando da proteção da estabilidade da moeda, mas o grau de determinação para evitar uma liquidação será analisado pelos mercados. Além disso, todas as manchetes da China sobre apoio adicional à economia serão observadas. De acordo com um relatório de segunda-feira da Bloomberg, as autoridades chinesas discutiram a antecipação de medidas de estímulo nos últimos dias. Com a aproximação das datas de implementação das tarifas (09/04 para os EUA e 10/04 para a China), a atenção está voltada para o desenvolvimento do relacionamento entre as duas maiores economias do mundo.